Não é novidade que Avatar é baseado em grande parte na história da relação humana com a natureza. O próprio diretor é envolvido em causas ambientais. Mas, devido a tantas referências com o mundo real e pelo “curto” tempo para abordar essas questões no filme, muita coisa pode passar despercebida ou podemos não entender as verdadeiras questões ambientais que inspiraram algumas cenas dos dois filmes da franquia, ou mesmo não saber o que é uma referência real e o que é fictício.
Então decidi escrever esse texto, deforma resumida, tentando debater sobre alguns desses pontos e fazer algumas comparações com o mundo real e a atual situação ambiental do nosso planeta.
Ah, o texto pode conter spoiler.
Colonização e desmatamento:
O enredo principal dos filmes de Avatar é a colonização do planeta Pandora pelos seres humanos e as relações com a biodiversidade locale os povos nativos, o povo Na’vi.
O Homo sapiens destruiu o seu planeta devido ao seu modo vida nada sustentável, baseado pelo consumo e exploração dos recursos naturais da terra e está em busca de um novo planeta para colonizar. Sabemos em qual momento da história da humanidade esse enredo se baseia, certo? Nas colonizações dasAméricas, do continente africano, asiático e a Oceania pelos europeus. Como o assunto é bem amplo, vamos falar sobre isso analisando a situação do nosso país.
Um dos biomas que mais sofreu com a invasão dos povos europeus foi a mata atlântica. Fala-se muito sobre o desmatamento da Amazônia e o genocídio dos povos nativos que habitam essa área, então outros biomas acabam caindo no esquecimento, como na Mata atlântica e no Cerrado que também sofrem bastante com perda de áreas. A Mata atlântica é o bioma que sofre a mais de 500 anos, pois foi o primeiro bioma queos portugueses pisaram no Brasil.
Desde o período da colonização até o momento atual, o bioma não teve paz. São vários animais em risco de extinção, animais esses que só ocorrem nesse bioma e recebem o nome de endêmicos, como o Mico-leão-dourado, os Muriquis e o tucano-pacova, por exemplo. Desde o "descobrimento"do nosso país esses animais perdem espaço de floresta para atividades como agricultura e pecuária, por exemplo, ou para a intensa urbanização. Hoje o bioma está restrito a cerca de 8% do território brasileiro.
Assim como o povo Na’vi viu suas florestas sendo destruídas pelo povo do céu quando esses decidiram colonizar Pandora, o mesmo ocorreu com os povos nativos brasileiros da Mata Atlântica, que foram os primeiros a terem contato com o homem branco e verem suas florestas serem devastadas, para extrair madeira, pau-brasil principalmente, e ter o seu povo escravizado e dizimado.
No caso de biomas como o Cerrado, o processo ocorreu de forma mais lenta, já que o nosso país tem um território amplo, e para acessar esse bioma os colonizadores, no caso os bandeirantes, tiveram que adentrar o interior do país em busca de minérios como o ouro, por exemplo, desmatando a vegetação, escravizando e matando os povos nativos.
Essa tem sido a lógica da colonização durante todos esses anos, não só no nosso país, mas ao redor do mundo: invasão, genocídio de povos nativos, desmatamento e exploração de matéria-prima para abastecimentodo consumo e o enriquecimento de poucos. Nesse processo a gente tem grande perda da biodiversidade, animais, plantas, fungos, etc., principalmente pela diminuição dos seus habitats que são a sua “casa”. No filme a gente consegue ver os bichos correndo, desesperados quando a floresta vaisendo devastada, é dessa forma que acontece no mundo real também.
Caça predatória e poder bélico
Esse tema foi mais abordado no segundo filme, onde o autor mostra o grande potencial bélico do povo da terra com os diversos novos tipos de armas, robôs e IA, construídos no intuito de enfrentarnão só o povo Na’vi como a próprianatureza de Pandora, incluindo a caça predatória dos animais do planeta.
O animal do filme duramente caçado é um tipo que se assemelha às baleias do nosso planeta, os chamados Tulkun. Esses animais são dotados de uma grande capacidade cognitiva, seresmuito inteligentes, sensíveis e espirituais, mais do que várias espécies, incluindo o Homo sapiens. No filme os Tulkun possuem um líquido dourado no cérebro muito raro e extremamente valioso para os seres humanos, conhecido como ‘Armita’, capaz de retardar o envelhecimento. Tal líquido só pode ser extraído com a morte do Tulkun.
Falando dos animais que inspiraram James Cameron na construção do Tulkun, as baleias foram um dos seres vivos que maissofreram nas mãos dos seres humanos, e essa analogia retratada no filme é um ponto alto da história, pois assim como os Tulkuns as baleias foram caçadas, com arpões, para extrair principalmente o seu óleo que era usado como um tipo de combustível para iluminação de ruas.
A caça de baleias é algo que acontece há muito tempo nas populações humanas, para obter carne e combustível, mas foi entre o século XVII e XIX que a caça se tornou predatória. Nesse período as armas para matar as baleias foram se “aperfeiçoando” com o avanço tecnológico da sociedade, assim como acontece no filme. Existiram até arpões com explosivos na ponta. Na época, toda essa caça era legalizada e as pessoas faziam isso em nome do progresso da humanidade, chegava a ser algo até esportivo.
Como consequência disso, os pesquisadores estimam que entre 2 a 3 milhões de baleias morreram ao longo desses anos em todo o mundo. E isso se reflete até os dias atuais, pois muitas espécies como a baleia-azul, a baleia-franca do norte e a baleia cinza ainda podemdesaparecer da natureza, ou seja, de serem extintas. O ciclo reprodutivo desses cetáceos é lento, isso faz com o número de indivíduos leve mais tempo para aumentar.
As baleias possuem importantes papeis no ecossistema marinho, pois são predadores topo de cadeia, se alimentando de uma vasta quantidade de seres vivos, mantendo essas populações controladas nas teias alimentares, além de suas fezes servirem como adubo orgânico no oceano, ajudando na manutenção do ciclo dos nutrientes como carbono, nitrogênio e ferro.
Atualmente a caça de baleias é proibida, só que isso não quer dizerque ela deixou de existir. Mas, os maiores problemas que esses mamíferos tem que enfrentar atualmente, estão relacionados ao aquecimento global e poluição dosmares, consequências das ações do ser humano no planeta, que diminuem a disponibilidade dos alimentos no mar e tornam diversos animais doentes, contaminados por microplásticos, afetando as baleias.
Esse é um dos temas mais importantes do filme, trazendo ao spotlight uma crítica bem referenciada sobre a caça, especialmente das baleias, e a evolução do poder bélico no processo de colonização humana.
Sustentabilidade e hipótese deGaia
Quando o primeiro filme de Avatar surgiu nos cinemas, em 2009, a sétima arte não costumava fazer filmes com temáticas ambientais, principalmente para blockbusters. Então, naquele ano, o mundo experimentou uma imersão de tecnologia 3D costurada com um enredo que criticava o modelo de exploração dos recursos naturais pelos seres humanos e apresentava em contraponto o mundo de Pandora, onde os nativos existiam em sintonia com anatureza, que é uma divindade conhecida como Eywa. Tudo que os nativos precisam para existir é provido pela grande mãe, que é viva e atua como um tipo de consciência, conectada a tudo e a todos.
Na década de 1970 um biólogo chamado James Lovelock, propôs uma hipótese que falava basicamente o mesmo que vemos em Pandora, só que nesse caso, para o nosso planeta. Em sua hipótese ele dizia que a terra atua como um tipo de organismo vivo que regula as condições atmosféricas como quantidade e tipos de gases, luz, e nutrientes, permitindo a manutenção da vida no nosso planeta, e que um sistema depende do outro para funcionar. A hipótese não foi aceitapor diversos cientistas. Não vou falar nesse post sobre a veracidade dessa hipótese, talvez em outro momento. Mas o que chama a atenção aqui é a diferença da percepção da natureza e o modo de vida dos seres humanos e dos Na’vi.
Enquanto os nativos consideram a natureza do seu planeta como uma entidade sagrada, mantendo seu modo de vida sustentável em respeito a Eywa, preservando e conservando todos os ciclos dela, os seres humanos, que não consideraram a natureza do seu planeta viva e não possuíam conexão espiritual com a mesma, não viram problemas em explorar os seus recursos de forma descontrolada e sem se preocupar com as consequências para a manutenção da mesma, levando falência dos seus recursos naturais.
Partindo para uma percepção científica, o nosso planeta possui sim um integrado sistema de autorregulação que está sendo afetado pelas atividades humanas, que desregulam ciclos, alteram paisagens e o modo de vida de diversos seres vivos, os quais passaram anos e anos se adaptando às condições naturais da terra pelo processo evolutivo. Atividades como a mineração, por exemplo, levam a poluição dos rios,despejando grandes quantidades de metais pesados no ecossistema,como o mercúrio e chumbo, gerando a morte e adoecimento dos animais e consequentemente diminui a biodiversidade do local e a disponibilidade de peixes para as populações que vivem da pesca.
O modo de vida do povo Na’vi atuacomo uma forma de criticar o estilo de vida da humanidade e também de propor uma reflexão sobre a nossa conexão com o mundo natural. E fica o questionamento, será que é possível vivermos como aqueles alienígenas do filme? Bom, ao menos deveríamos.
O planeta terra fornece os chamados serviços ecossistêmicos.Tais serviços podem ser provenientes da interação dos seres vivos com a natureza, como, por exemplo, a polinização, o sequestro de carbono, adubação, produção de alimentos e remédios,ou por fenômenos naturais da atmosfera, como as chuvas, os ventos, os raios solares, etc. Todos esses serviços podem ser convertidos para nosso bem, para anossa existência, sem ser necessário a depredação dos mesmos. Por exemplo, a produção de energia solar e eólica, a produção de alimento pelos sistemas agroflorestais, o ecoturismo, entre outros.
Nesse sentido, os filmes de James Cameron nos fazem refletir não só sobre como nos relacionamos como meio ambiente, como nos faz refletir sobre o nosso modo de vida,sobre quais são as nossas necessidades e o que fazemos paraobtê-las e como nosso avanço tecnológico é usado para alimentaresses desejos, pois fica claro a dicotomia entre sobrevivência e tecnologia.
A ecologia não é um empecilho para o desenvolvimento e não é oposta ao progresso. É possível vivermos em um mundo assim como o de Pandora, com desenvolvimento sustentável, que respeite e priorize a natureza e seus ciclos, diminuindo o progresso material e acumulação de riquezas, focando no sustentável. Então, o que precisamos é de uma mudança nas prioridades, principalmente do nosso sistema econômico.
Bom, certamente Avatar é uma grande obra do cinema moderno, apesar de ter uma trama bem clichê de heróis e vilões, não só pela qualidade visual dos filmes, com uma tecnologia inovadora que inspirou toda uma geração cinematográfica após o seu lançamento, mas também pelas críticas a humanidade e seu modo de vida e por seu carregado enredoambientalista, que, novamente, na minha humilde opinião, deixa a desejar nesse segundo filme, onde alguns temas são explorados de forma rasa.
De qualquer forma, são ótimos filmes que podem ser grandes aliados na causa ambiental, despertando, principalmente em crianças e adolescentes, reflexões equestionamentos através do encantamento, servindo inclusive para serem abordados em sala de aula para debater sobre conscientização ambiental.
E se vocês conseguem destacar algum outro ponto interessante dofilme que eu não abordei no texto, deixa aí nos comentários, e falem também o que acharam desse segundo filme.
Referências
https://marsemfim.com.br/caca-as-baleias-aprenderemos-com-a-historia/
Luis Nogueira Matias, J., & Mariana Aires Oliveira, C. (2017). Santuário e a proteção das baleias: caça predatória e a preservação ambiental. Revista Brasileira De Direito Animal, 12(03).
https://www.bioicos.org.br/post/importancia-das-baleias-para-o-ecossistema-marinho.
Zanoni Constant Carneiro Leão, I., &Maia, D. M. (2010). A Teoria de Gaia.Economia & Tecnologia, 6(21).